Rotina: uma inimiga da aventura e das novas ideias
A rotina e a familiaridade é o grande oposto do que a alma de um viajante ou de um criativo precisa. Da minha última viagem fora do país, eu vou começar relatando pelo fim. Foi um mês intenso que passei na Argentina, porém cortarei algumas cenas e pularemos direto para o dia 01 de setembro.
Aeroporto Internacional de Córdoba, conhecido como Pajas Blancas. Neste dia e em tantos outros, me disseram pra não confiar em qualquer um, mas a primeira pessoa que sentou ao meu lado no avião falava “besos, mi cariño, nos vemos luego” e se chamava Claris. Ficamos amigas.
Minha primeira selfie de muitas na minha primeira viagem sozinha
Nosso vôo saía de Córdoba, segunda maior capital da Argentina, e ia em direção a Jujuy. Meu itinerário tinha a pretensão de explorar o Norte do país por 7 dias. Alguns povoados com menos infra estrutura, mais caóticos e menos modernos dos que eu já havia ido. Até aquele vôo, eu já tinha morado sozinha em outro país, já tinha viajado para lugares distantes e já tinha rodado alguns kms de mundo, mas nunca tinha feito isso só. Eu e eu mesma e toda a dinâmica que uma viagem exige, sem alguém para dividir as dúvidas e as culpas de cada decisão.
O roteiro dos dias por lá foi especial de diferentes ângulos, mas aqui vou focar no do meu encontro com a Claris, naquelas poucas horas de amizade e no fato de que, na minha opinião, você deve esquecer quase tudo sobre nunca fale com estranhos. Uma verdade absoluta que nos mantém seguros nos nossos quadrados, porém uma inimiga da aventura e das novas idéias. Falar com estranhos pode literalmente salvar o dia e a criatividade.
Falar com estranhos é uma página em branco para rabiscar novas ideias
– Oi, tudo bom? Você é de Jujuy?
Confesso que a conversa só se estendeu porque a resposta foi positiva. Preocupada com minha chegada em Jujuy, perguntei todos os detalhes. E para minha surpresa, Claris queria tirar todas elas e mais algumas outras. Como já haviam me dito, o melhor de Jujuy eram as pessoas.
Chegaríamos a noite na capital, eu precisava ir até a rodoviária e ter a sorte de pegar um ônibus para Purmamarca, um povoado bem pequeno, onde ia passar minha primeira noite. Tentei comprar o bilhete do ônibus com antecedência pela internet, mas isso era muito moderno para o destino.
Purmamarca, Jujuy – Argentina
Com Claris descobri que havia duas rodoviárias na cidade e descobri também sobre os Remis. São como táxis compartilhados que dirigem sem nenhuma sinalização oficial entre cidades. Além disso, que o aeroporto de Jujuy era muito longe do centro. Eu provavelmente não pegaria o ônibus no horário que eu imaginava. Neste caso, ela se tornou minha nova fonte de informação sobre como cumprir meu itinerário no prazo que eu precisava.
Em um processo criativo, quanto mais informações, mais conexões diferentes e fora de rota sua mente pode produzir. O que nos ajuda a encontrar respostas inovadoras. Limitar-se ao que já se conhece é chegar sempre no mesmo lugar e da mesma maneira.
E aconteceu que o tão temido falar com estranhos foi o ponto de virada dessa história.
Para libertar a sua criatividade, adote uma ideia estranha
Depois que pousei, descobri que o aeroporto de Jujuy era bem pequeno, talvez menor que a rodoviária e não havia ônibus para a cidade naquela hora. Ninguém sabia dar muitas informações e, claro, os táxis cobravam uma fortuna. Para quem estava com o dinheiro contado, dali sairiam meus primeiros 1000 pesos ou mais.
Claris se ofereceu pra me levar e aceitei. Coisa que jurei que não faria. Muito perigoso pegar carona com estranhos. Muito perigoso pegar carona à noite com estranhos fora do seu país.
Claris tinha uma Duster, cheia de poeira do ar seco de Jujuy, estacionada no aeroporto e ela, também como eu, tinha dificuldades de encontrar onde estacionou o carro. Rimos feito conhecidas desconhecidas. Viajamos até Jujuy compartilhando histórias soltas. Lá, me ajudou a pechinchar, com seu sotaque local, um Remi compartilhado até Purmamarca na estação de ônibus velha da cidade. Me despedi e ela prometeu dicas matadoras do meu roteiro pelo whatsapp. Dali parti com 4 pessoas desconhecidas no Remi velho por uma estrada mal iluminada, mas já com menos medo de caras novas.
Sem minha querida estranha eu poderia ter gastado uma grana, ter dormido na rodoviária, parado no lugar errado ou tornado minha experiência um pesadelo. Porém, ela foi o começo da mágica e da poesia de toda essa viagem sozinha pelo Norte.
Ao chegar quase de madrugada em Purmamarca
Coragem em quebrar uma regra que há muito me acompanhava foi o que eu precisava para começar aquela última viagem que faria pela Argentina. E é assim que funciona com a criatividade. Temos que ouvir os pensamentos estranhos. Aquilo que não nos é comum e parece bizarro de longe. Minha carona podia ter sido uma grande furada, mas não foi. Uma ideia pode ser bem ruim, pode, mas dê um crédito para a intuição criativa. Em geral, ela não nos deixa pegar carona com qualquer ideia esquisita.
O que descobri ao entrar naquele carro é que existiam possibilidades seguras: o táxi caro, pagar por uma diária em um quarto de hotel na capital e viajar no dia seguinte ou simplesmente não viajar mais sozinha. No caminho até o pensamento criativo é igual. Existem verdades já consolidadas por outras pessoas.
Possibilidades já testadas, dizem que quase tudo já foi criado. Existe sempre uma opção à espreita do caminho monótono, caro e repetido das velhas ideias e do que já foi feito. Para criar é necessário entrar no carro com o desconhecido. Estar vulnerável às falhas e desapegado das verdades. Adotar uma ideia estranha e seguir com ela, mas só até o momento antes dela se tornar rotineiramente familiar. Nesta hora é preciso pegar uma nova carona.
Este texto não é um apoio a atos irresponsáveis em viagens sozinhas que podem colocar sua vida em risco. Mas é um apoio a quebra de regras para uma viagem com mais aventura e uma vida mais criativa.
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